terça-feira, 11 de junho de 2013

Crise - Parte I: Peculiaridades e Desdobramentos

Antes de intervir ou prevenir uma crise, é preciso compreendê-la da melhor maneira possível. Explorando o conceito de crise é possível identificar seus elementos e a relação entre esses elementos, mantendo em mente que crise não é sinônimo de manifestação sintomática.

Podemos considerar a crise como um processo subjetivo de vivência ou experimentação de situações de vida, nas quais condições internas e externas mobilizam uma pessoa e demandam novas respostas para as quais ela ainda não adquiriu, não desenvolveu ou perdeu a capacidade, repertório ou recursos capazes de dar solução à complexidade da tarefa em questão. Essa definição mais ampla sobre crise psicológica se contrapõe ao uso do termo crise para designar um ponto de decisão, suscitando que crises ocorrem o tempo todo durante a vida. A crise, então, não se torna algo restrito, e passa a ser nada mais que um momento de desenvolver novas habilidades. Isso não é um reducionismo da crise, mas desmistifica a ideia de crise e traz esse processo mais para perto do dia a dia da vida das pessoas.

Mais importante que a solução em si parece ser a função da crise, que seria a possibilidade de aquisição de competências e o desenvolvimento de repertório pessoal para resolvê-la. Deixando qualquer (pré)conceito de lado, seria muito útil entender que a vivência da crise está associada ao aumento desse repertório de respostas e de competências, processo que fortalece o ego. Possivelmente sem passar pelas crises que passamos e continuamente passaremos não seríamos capazes de superá-las, ou no mínimo aprender com elas.

Crises mal superadas podem indicar a não aquisição de uma competência, e apontam para prejuízos moderados ou graves que precisam ser observados. Algumas vezes é preciso a atuação de um profissional para ajudar o sujeito a minimizar esses prejuízos ou evitar novas crises. Dependendo do caso é mais apropriada uma intervenção ou uma psicoterapia, que se diferenciam pelos objetivos: a intervenção em crise tem o objetivo de auxiliar o sujeito a retornar ao seu nível anterior de funcionamento e superar a fase crítica da crise, já a psicoterapia objetiva a transformação das condições de vulnerabilidade que favoreceram a emergência da fase crítica e assim evitar futuras crises.

         Sem dúvidas as crises vividas ao longo da vida formam nossa personalidade à medida que levam à internalização de diferentes modos de reagir, e assim as soluções que damos para as nossas crises são assimiladas em nossa estrutura. Pelo fato de transformarem ou fragmentarem estruturas antes estáveis, as crises podem ser vistas como estruturantes. Nossa estrutura afeta nosso funcionamento, por isso a psicodinâmica também está relacionada à crise e à estrutura. A psicodinâmica da crise revela sua característica processual e subjetiva, e mostra os aspectos motivacionais relacionados. A psicodinâmica diz muito a respeito do conflito em que o sujeito se encontra quando precisa administrar desejos e necessidades em um contexto de contradições. E a crise está diretamente envolvida nisso, pois surge a partir de um ou vários conflitos, mais ou menos duradouros. Considerando a estrutura e a psicodinâmica fica evidente que um sujeito não consegue agir como quiser, ele é de certa forma delimitado por sua estrutura. Outro conceito que está relacionado à crise mas que não deve ser confundido com ela é a psicopatologia. Não é correto restringir a crise ao momento em que os sintomas aparecem, até mesmo porque nem toda a crise irá resultar em psicopatologia (a maioria não resulta). Assim como a crise é um processo, os sinais e sintomas que fazem parte de uma psicopatologia não surgem do nada e sem motivo. Perceber isso durante o processo de desenvolvimento mostra a relação entre sintomas e psicodinâmica, e permite associá-los aos significados subjetivos na experiência. As estratégias defensivas e o modo de responder acabam se consolidando na estrutura, podendo formar padrões de uma psicopatologia. É importante ficar atento para que tipo de estratégias estão sendo usadas e internalizadas, a fim de impedir que padrões pouco adaptativos se tornem parte da estrutura do sujeito. Crise, psicodinâmica, estrutura e psicopatologia estão sempre relacionadas e entender alguns desses termos ajuda a entender os outros, sempre tomando o cuidado de analisar cada caso especificamente.


terça-feira, 4 de junho de 2013

Uma história de luto complicado: a viúva que come as cinzas do marido.




Casey é uma norte americana que, ao perder o marido Shawn de uma maneira totalmente inesperada, ainda muito jovem, adquiriu um hábito que imediatamente a alivia da perda, como se pudesse, literalmente, internalizar a presença de seu marido, numa estratégia de impedir que ele se vá e se torne "apenas uma memória".

Ela vivencia um luto possivelmente complicado, em que a elaboração se tornou extremamente difícil e encontra-se impossibilitada de processar a realidade do acontecimento de uma maneira tranquila e equilibrada. Ingerir as cinzas do marido tornou-se, então, uma forma de evitar essa realidade e garantir, a partir de suas próprias percepções, a perpetuação da presença do marido dentro de seu imaginário. Mas ao mesmo tempo em que vivencia a sensação de internalizá-lo, vivencia culpa e desamparo por imaginar que suas cinzas não estarão ali para sempre.

Ao participar do programa "minha estranha obsessão", Casey pode compartilhar com a família o sofrimento pelo qual estava passando e teve, finalmente, a assistência profissional de que precisava. Não apenas para impedi-la de realizar um comportamento prejudicial para sua saúde física, mas para realizar um trabalho de elaboração desse luto, questionando-se sobre essa experiência e sobre seus próprios sentimentos. Com o tempo, acredita-se que Casey tenha se tornado capaz de se fortalecer internamente novamente e tenha conseguido localizar essa dor diretamente no acontecimento, não se sentindo mais culpada ou desesperada por internalizá-lo de qualquer maneira.

Com ajuda profissional, o luto se transformou de uma dificuldade em lidar com a perda desse objeto em empoderamento, ou seja, uma nova capacidade de se posicionar frente a essa nova realidade, essa nova visão de mundo. Casey transformou sua vivência melancólica diante da perda do marido, caracterizada pela perda inconsciente de um objeto idealizado, em um luto esperado e com menos sofrimento, onde a perda consciente do ente querido permite que ela volte seu afeto para outros objetos.